segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Manual de Redação - Prefácio

Prefácio


     A preocupação com o falar e escrever bem é bastante antiga e pode ser observada praticamente em todas as culturas. Mesmo num nível pré-letrado, o homem tem reconhecido a linguagem como um fenômeno peculiar e de transcendental importância, tornando-a objeto de reflexões várias. Grupos bastante primitivos, por exemplo, encontrados em Nova Guiné, África e na Bacia Amazônica, têm demonstrado sensibilidade em relação ao sotaque estrangeiro de seus vizinhos e a outras diferenças de fala; as mães também corrigem seus filhos pacientemente em seus erros de pronúncia ou de construção. Outros exemplos dessa natureza, que poderiam ser citados, fazem crer que a idéia de língua como um modelo de correção é a que primeiro aparece no discurso metalingüístico que os falantes mantêm a propósito de sua língua.

     Deve-se salientar ainda, remontando às origens dos estudos lingüísticos, que, entre as motivações mais fortes que levaram os estudiosos a descrever as línguas, está a preocupação com a norma, a preocupação no sentido de fixar o "bom uso", a correção, selecionando uma determinada modalidade lingüística em detrimento de outras consideradas vulgares, impuras, incorretas, ilegítimas. Tal preocupação deu origem, na Índia antiga, à notável descrição do sânscrito, consubstanciada na obra monumental de Panini. Naquela época (século VI a. C), os dialetos populares da Índia (pratkrits) se generalizaram rapidamente, enquanto o sânscrito culto (blasha) ia caindo no esquecimento. Tratava-se, pois, de assegurar a conservação dos textos sagrados escritos nessa língua  (poemas religiosos chamados Vedas) e de sua pronúncia exata. Quem levou a cabo essa tarefa foi Panini, ao elaborar uma gramática para o sânscrito - o primeiro manual minucioso de que se tem notícia sobre uma língua. 

     Depois dos hindus, na Grécia e em Roma, na Idade Média e na Renascença, a questão normativa tem merecido, juntamente com a descrição lingüística, bastante atenção. Por isso, não é de se estranhar que toda a tradição lingüística ocidental tenha atribuído duplo papel ao gramático: dizer o que a língua é, ou seja, descrevê-la, e, ao mesmo tempo, dizer o que deve ser. 

     No contexto atual, com o advento das novas vertentes dos estudos lingüísticos, tem-se enfatizado que a linguagem é um procedimento argumentativo importantíssimo, qualificando ou desqualificando, pela forma utilizada, o que é dito e quem o diz. Observa-se, igualmente, que, dentro de empresas como também de órgãos  públicos, a merecida preocupação com a linguagem tem ditado programas de aperfeiçoamento e fez surgir um número considerável de manuais de cultura idiomática. Com a internet, vários passaram a ser disponibilizados para consulta on-line. 

     Manuais dessa natureza apresentam as seguintes características principais:
  • têm como base as regras ortográficas e gramaticais de gramáticas e dicionários conhecidos;
  • privilegiam os aspectos normativos da língua, de modo especial os que maiores dificuldades oferecem (emprego do hífen, de maiúsculas, de abreviaturas, de pronomes de tratamento, etc.), não se preocupando, pois,com a questão descritiva (fonologia, análise sintática, definições, classificações, etc.);
  • apresentam os conteúdos mediante forma bastante objetiva, clara, simples, com exemplificação adequada, favorecendo, assim, sua plena compreensão;
  • visam, em conseqüência,a uma finalidade eminentemente pragmática: servir de fonte de consulta, estudo ou material de treinamento, intentando ir ao encontro dos que lidam com a produção de textos na rotina administrativa.

     A julgar por sua especificidade, poder-se-ia concluir apressadamente que os manuais ensinam a escrever aos que se encontram no efetivo exercício desta atividade ou a todos quantos aspiram a exercê-la. Na verdade, sua contribuição, bem como o domínio dos conteúdos neles abordados devem ser relativizados, pois a competência lingüística, a competência comunicativa na produção textual implica outras variáveis que ultrapassam os domínios normativos, prescritivos, os domínios do que se aprende na maioria das vezes nos livros, no ensino formal - regras de grafia, acento indicativo de crase, pontuação, concordância, regência, colocação, etc.

     Fique claro, pois, que o fato de um texto se apresentar com correção gramatical - e os manuais contribuem para tanto - não significa que esteja bem redigido. Dito de outro modo, deve-se sublinhar que a correção gramatical é um dos requisitos básicos do texto, espécie de credencial ou cartão de apresentação pessoal de seu emissor; mas isso, por si só, não basta.

     Importa também que o texto seja coeso e coerente. Que as frases, parágrafos ou partes guardem relações entre si. O que dá uma sensação de andamento harmonioso, de continuidade natural. De unidade. Sem solavancos. Sem rupturas. Sem retrocessos, para retornar e completar idéias que se deixaram para trás. O texto como um caminho sem embaraços, em que o redator leva o leitor pela mão. Com naturalidade.

     Ademais, é necessário que o redator leve em consideração seu leitor. Para Charles E. Redfield, "aquele a quem se fala é, muitas vezes, tão importante quanto aquilo que se diz, já que a pergunta a quem determinará, em grande parte, como deve ser feita a comunicação". O emprego de tratamento respeitoso a superiores, colegas e subalternos, o uso de expressões fidalgas, o conhecimento de certas praxes de estilo na correspondência, o propósito de criar, manter ou recobrar uma disposição favorável do destinatário para com a Unidade, Órgão, Faculdade ou com a Instituição são aspectos que se situam no âmbito da adequação da linguagem, estratégia que o emissor utiliza para ajustar seu texto ao receptor. 


     A intencionalidade e a informatividade são outros dois fatores relevantes que devem estar contemplados no texto. Quem redige (e, por conseqüência, quem recebe a mensagem) deve saber claramente seu propósito. De acordo com David Berlo, "comunicar é procurar resposta do recebedor. Qualquer fonte de comunicação se comunica a fim de fazer com que o recebedor faça alguma coisa, fique sabendo alguma coisa, aceite alguma coisa." É preciso, portanto, ser objetivo, claro, conciso, preciso, evitando-se o supérfluo. É por esta razão que a redação ou a correspondência empresarial e oficial tem sido denominada, por autores, de redação técnica, em contraponto com a redação literária: enquanto nesta se confere relevo aos aspectos estéticos, objetivos, artísticos, naquela se privilegiam a objetividade, a eficácia, a exatidão, a pragmaticidade das comunicações.

     Por fim, é necessário considerar, na produção da escrita, as relações que se estabelecem entre o texto a ser produzido e os demais textos - a intertextualidade. Em palavras bem singelas, é necessário conhecer o assunto (outras correspondências, notícias, informações, etc.), pois escrever é reaproveitar com critério e criatividade esses materiais interdiscursivos. É muito difícil escrever bem, com todas as características  aqui enumeradas, sobre um assunto que não se conhece suficientemente bem.

    Este Manual, que se disponibiliza on-line, no site da Universidade, cumpre, portanto, sua função na medida em que oferece um serviço – conforme salientou na Apresentação a Profª Carmem Sanson, Gerente da Web, – de assessoria a todas as pessoas envolvidas com a produção de textos na Universidade, especialmente no nível técnico-administrativo, oferecendo material lingüístico de apoio para dirimir dúvidas ou solucionar problemas no ato de redigir.

Prof. Gilberto Scarton

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